Recebi
o convite
A escola festeja os seus noventa anos.
A sua idade é festejada, diferente dos meus
sessenta, nos quais preciso provar todos os dias que estou bem e viva.
Minha vida junto a você começou aos sete anos
de idade. Isto mesmo! Com sete anos, muita medrosa, tímida, sem preparo escolar
anterior, eu lhe enfrentei. Foi difícil, muito difícil, tão difícil, que dos
quatro anos de estudo, muito pouco me lembro. Você vai dizer que é da idade,
não é, lhe garanto, pois, nunca consegui descrever bem este período, somente
alguns poucos momentos, algumas poucas imagens.
Eu me lembro do medo que eu tinha da diretora,
lembro-me de minha mãe na sala de aula reclamando com a professora, porque me
bateram e rasgaram o meu uniforme (ainda não havia preocupação com o bullying
nas escolas). Além disso, eu era chamada
de “macarrão da Santa Casa”, devido à cor da pele, muito branca. Eu também me lembro
de que a professora perguntou para minha mãe se eu tinha “algum problema” e
pediu que ela me levasse ao psicólogo, devido ao meu silêncio (hoje sou
barulho). Minha mãe não me levou e disse à professora que problema todo mundo
tem. .E assim eu mesma fui “me curando” de acordo com as necessidades de
sobrevivência.
Mas também tenho boas lembranças da minha
primeira professora (a primeira é difícil esquecer), que dizia que minha letra
era linda! (a minha auto estima agradeceu a força).
Você não vai acreditar escola! Voltei para você,
depois de alguns anos, para trabalhar, agora eu já era professora! Moça nova e
ainda muito tímida. Chorei quando fui chamada, ainda carregava o medo pela
escola.
Quando se tem o medo, tudo parece maior do que
é. A escola era enorme! Quanta gente! E a diretora ainda era a mesma... Justiça
seja feita, a diretora que tanto medo me deixou na infância, recebeu-me muito
bem e reconheceu logo no início o meu desempenho profissional. A primeira
professora também lá estava. Esta foi uma boa notícia, um confortante encontro!
Trabalhamos juntas por algum tempo e compartilhamos bons e conflituosos
momentos.
Junto de você, eu fui superando meus medos, guardando
a timidez, fui crescendo como professora e gente. E não vou lhe negar que
questionei muito algumas das suas normas e regras. Algumas persistem, outras se
foram.
E nós, eu e você, escola, passamos mais de
quarenta anos juntas.
Momentos de alegria, realização e superação. De tristeza, incompreensão e enfrentamento
também.
Como em qualquer outra relação vivemos e
morremos algumas vezes...
Eu passei por mudanças e você também. Ainda
bem!
Eu encerrei minhas atividades de
estudante e professora. Você continua
firme, seguindo em frente. Se me permite lhe dizer, acho seus passos lentos. Não
acredito que sejam pelos seus noventa anos. Nunca compreendi bem porque a escola, de onde deveria ser o nascimento, a partida de tudo, é onde geralmente a
chegada é atrasada... O novo surge em outros cantos, para só depois chegar à
escola. Por isto hoje se escuta que a escola precisa acompanhar a evolução e a
necessidade dos alunos atuais, utilizar os novos recursos de aprendizagem, etc
e etc...
Não
estou mais com você, nos despedimos no ano passado, mas não é possível dizer
que você saiu de mim. Espero também estar em você.
De longe eu assisto seus noventa anos.
Chegam agora outras jovens professoras para a
seu lado ficarem. Com certeza vocês vão se entender, vão superar juntas as
dificuldades que surgirem. Vocês vão também se alegrar juntas, vão crescer, vão
acelerar a partida... Pode também acontecer de se desentenderem, faz parte da
aprendizagem de ambas... Acredite, é o meu desejo vê-la bem.
As jovens professoras vão passar por você, vão
também deixar marcas e você vai ficar para sempre nelas. Como está impregnada
em mim.
Escola, você talvez esteja a se perguntar:
Afinal qual é o objetivo desta falação toda?
Eu acredito que revendo a minha trajetória
escolar, como aluna e professora, eu esteja contribuindo, de certa maneira, para
uma revisão de ações na instituição, que venham beneficiar o convívio de alunos
e professores.
E se para nada mais servirem as minhas palavras,
que sirvam para mim. Que elas façam sair coisas guardadas e não ditas e me
deixem mais leve.
Quem sabe assim eu também chegue bem aos
noventa como você.
O meu desejo maior é que eu possa ver (mesmo que seja de longe) você
realmente crescer, mas crescer de verdade, crescer para o mundo, ser um mundo
de muitas novas possibilidades de educar, no mais amplo sentido da palavra.
Que seu objetivo maior seja o de demonstrar que
o mais importante é não ter medo da
escola, é nela querer ficar, é sentir-se verdadeiramente acolhido, aceito e
respeitado. Respeitado no direito de exercer a liberdade de se expressar, de
sentir, de ser ouvido, de se movimentar, de propor coisas novas, de ser compreendido.
Os mais de quarenta anos junto de você me
fizeram entender que uma escola bonita de se ver não é uma escola silenciosa,
mas sim uma escola onde os alunos tenham voz. Onde os professores silenciam-se
para escutar mais (Porque nós professores falamos tanto? Fomos crianças
silenciosas...).
Parabéns, Escola Estadual Sandoval de Azevedo!
Parabéns pelos seus noventa anos.
Parabéns pela oportunidade que tem de continuar
viva e de acreditar que a Educação é ainda o bem mais precioso a ser adquirido
por todos.
Parabéns pela oportunidade que você dá a todos
que acolhe de fazer mais e melhor. Fazer a diferença e acrescentar. É isto! O importante é acrescentar.
Sem acrescentar, nada deixamos de significativo e verdadeiro.
Parabéns pelos seus erros, pois são eles que abrem os caminhos de retomada, de avaliação,
de questionamentos, da procura pelas
respostas, de momentos de reflexão, de redefinição de metas para saber onde realmente quer chegar, o que
realmente quer alcançar.
Parabéns pelos seus acertos que são o resultado
de trabalho coletivo, de planejamento, de engajamento.
Parabéns para todos que têm a oportunidade de
ser você, assim como eu tive.
Joyce Pianchão
Setembro de 2016
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